A mentira de quem diz: “Tenho vocação!”

Proponho-vos hoje um belíssimo e provocante artigo “sobre a vocação “, sobre o “chamamento “.

Assim don Marco escreve na conclusão da sua página: “a única verdadeira razão para nos dizermos homens-chamados é sentir-nos arrasados por uma voz que, por mais que tentes reduzir ao silêncio, mais te levanta a voz: «Levanta-te, vai e… não temas!». Vocação é virar ao contrário os verbos da gramática quotidiana: «eu não acredito porque vejo, mas porque fui visto» (E. De Luca).

Somos, portanto, “chamados” só se precedentemente olhados e “vistos” por um Outro, só se “arrasados” por uma Voz irreprimível e e prepotente que te diz: …vai, caminha, fia-te, não temas…, eu estou contigo!

de fra Alberto Tortelli

A mentira de quem diz: “Tenho vocação!” de don Marco Pozza

Frade contempla Assis

É um termo técnico de manobra a palavra “vocação”. Os latinos, finos gravadores da palavra, amarram-na firmemente ao verbo “vocare” cujo significado é “chamar, convocar, exortar, nomear “. Verbos que se assemelham muito a um despertador: interrompem o sono, fazem descer da cama, colocam de pé.  

Quando é sentiste ter a vocação?” perguntam-me frequentemente as pessoas. Nunca cruzei uma pergunta mais tola que esta. Ter-a-vocação: uma espécie de posse, quase versão evangélica da propriedade-privada da sociedade, a suspeita que também sobre os chamamentos do Alto o homem possa decidir se aceitá-los ou então deixá-lo sem resposta.

As páginas do Evangelho não admitem margens de erro: não é uma qualquer coisa que se possui, a vocação. É a vocação que nos possui. Quem diz “tenho a vocação” é sempre tentado, por uma espécie de defeito profissional, a olhar para trás para encontrar episódios que justifiquem: “Jesus chamou-me naquela tarde, daquela vez em que não fui para fora da estrada, no dia em que me correu bem a operação”.

Quem admite ser possuído por uma vocação, sabe bem que as marcas da sua vocação, as deverá ir procurar diante de si: parece impossível saber o que Deus quera de nós olhando só para as nossas costas. É olhando para a frente que a estrada se abre para nós.

«Levanta-te, vai e… não temas!». Levantar-se é um verbo de manobra, uma ação fastidiosa, a suspeita de que a bagunça acabou. Ir – declinado no imperativo, a forma do comando – é uma indicação de movimento: “Despacha-te, faz alguma coisa, o mundo está à tua espera”.

Não-temas” é o augúrio de partida, condição primeira de chegada: o medo, em cada estação de partida, está aninhado à porta. Aquele não-temas é antecipação de uma companhia: “Eu estarei contigo, conseguiras: podes estar certo! “O sentido do chamamento está todo aqui: um preocupar-nos que a nossa vida não seja uma daquelas histórias chatas que é difícil ouvir, mas que possa ser a melhor das histórias possíveis.

Há uma imagem de insuportável beleza no Evangelho de João: quando leio, leio-me por dentro. Fala de um encontro: aquele entre o jovem Natanael e Jesus. Natanael, curioso pelas palavras do amigo Filipe, que lhe mencionava Jesus, aproxima-se de Cristo.

Está ainda distante, quando Jesus, falando à multidão, diz dele: «Eis um verdadeiro Israelita em quem não há fingimento». Aquele jovem fica espantado, de repente reage admirado: «Como é que me conheces?». Pensava que era um estranho, Jesus sedu-lo com o efeito-surpresa: «Antes que Filipe te chamasse, eu vi-te quando estavas debaixo da figueira» (Jo 1,47-48).

Estar debaixo da figueira é andar por sua conta, a levar por diante a dança dos ofícios cá debaixo: o máximo da surpresa é saber que, enquanto nós estamos atarefados, alguém já nos pôs na mira do seu olhar. Quando nos apercebermos, será demasiado tarde: para alguém, será até impossível ir-se embora daqueles olhos.

A história, também a cristã, está de igrejas caídas em ruína: lá dentro, certos domingos, alguns homens alimentaram a pretensão de reduzir Deus somente ao ritual de um pão – seco: Ele, entretanto, cainhava por estradas de periferia a procurar carteiros para contratar para os seus objetivos divinos.

Milénios depois – com toda uma história a acreditar-lhe confiança – o homem ainda se obstina a tratar a vocação como se fosse qualquer coisa que se possui: “Entro no seminário porque sinto a vocação de me tornar padre”.

Também Cristo, por sua vez, é obstinado: a fazer compreender que a única verdadeira razão para nos dizermos homens-chamados é sentir-nos arrasados por uma voz que, quanto mais procuras reduzir ao silêncio, mais te levanta a voz: «Levanta-te, vai e… não temas!».

Vocação é virar ao contrário os verbos da gramática quotidiana: «eu não acredito porque vejo, mas porque fui visto» (E. De Luca).

don Marco Pozza

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