Jesus… de Belém

Nos tempos mais recentes, vamos encontrando, em conhecidas revistas e livros de divulgação bíblica, propostas de interpretação “alternativas” às narrativas tradicionais do Natal. Lemos, por exemplo, que Jesus muito provavelmente não teria nascido em Belém, mas sim em Nazaré. Isto, partindo do pressuposto que o título “Jesus de Nazaré” indica, por si mesmo, o lugar do nascimento de Jesus: ou seja, em Nazaré. Tal como Paulo de Tarso, em Tarso. Simão de Cirene, em Cirene. José de Arimateia, em Arimateia. E assim com outras personagens bíblicas.

Ora, dado o uso frequente do título nos Evangelhos – “Jesus de Nazaré” – isso vem entendido como uma indicação segura do lugar do nascimento de Jesus. Mas, então, que dizer dos Evangelhos de Lucas e de Mateus, que afirmam expressamente que Jesus nasceu em Belém? Argumentam os estudiosos que Mateus e Lucas só o afirmam uma única vez, concluindo, posteriormente, que se trata apenas de uma afirmação teológica para justificar as profecias que anunciavam que o Messias deveria nascer em Belém, e não que de facto lá nasceu. Aliás, estes mesmos estudiosos – procurando justificar o nascimento de Jesus em Nazaré – apontam também para a particularidade de Lucas não confirmar sequer as narrativas de Mateus sobre a estrela, os magos e a fuga para o Egipto. Dizem que estas narrativas seriam também narrativas teológicas, e não históricas.

Sendo assim, será mesmo que devemos acreditar que Jesus não nasceu em Belém e sim em Nazaré? E como fica a antiquíssima tradição da gruta de Belém? É verdade que os Evangelhos nunca falam diretamente de quando Jesus nasceu – donde a legitima questão sobre a verdadeira data do dia de Natal – mas já quanto ao lugar do nascimento, a afirmação é clara: Belém. Mas, se o titulo – “Jesus de Nazaré” – segundo a maneira tradicional nas Escrituras, deve indicar a origem de Jesus, a que origem então, efetivamente, se quer referir? Pois, se queremos – justamente e historicamente – permanecer em Belém, teremos, então, que tentar compreender corretamente o que poderá significar a aparente “insistência” dos evangelistas noutra localidade até aí desconhecida das Escrituras. Seja como for, uma tal “insistência” deverá querer exprimir algo, deveras fundamental acerca da origem de Jesus. De facto, a origem de Jesus é única e bem diferente de tudo o que até então tinha acontecido. Sendo assim, a razão da insistência não poderá estar na intenção dos evangelistas quererem assinalar, particularmente, a misteriosa sacralidade do acontecimento maior de Nazaré? Precisamente, a Encarnação do Verbo de Deus?


Habitou entre nós

A Encarnação do Verbo, em si mesma, deverá ter deixado uma marca muito mais profunda nos evangelistas do que o nascimento de Jesus. De facto, o seu Senhor não foi “apenas” um homem que nasceu, como todos nós, mas “desceu” do próprio Céu. Aquele mesmo que, depois da Ressurreição, subiu para o Céu. Assim, Aquele que sempre existira, começou, admiravelmente, a sua existência terrestre no seio de Maria! E foi, antes de mais, no coração de Maria – diz Santo Agostinho – que o Filho eterno de Deus começou a habitar.

Desta maneira, desde o primeiro instante, Nazaré tornou-se a “pátria” de Jesus, a terra da sua natalidade. Este acontecimento – entre o Céu e a terra, da união das duas naturezas, humana e divina – foi tão grande e único, que Nazaré teria de ser recordada para sempre. De facto, é no “Natal de Nazaré” que está o grande mistério do Natal. Donde podemos compreender a insistência no título: “Jesus de Nazaré”. Não é por acaso, então, que também se “insista” no dia de Natal, em nos ajoelharmos, solenemente, no Credo, às palavras E encarnou… E se a liturgia na Missa do Galo (a primeira Missa) nos faz comtemplar, antes de mais, Jesus nascido em Belém, é com a leitura do início do Evangelho de João, na Missa do Dia (a terceira Missa), que somos chamados a comtemplar – quase de surpresa – a origem do Natal, isto é, o mistério da Encarnação do Verbo.

Porque, na verdade, o centro do Natal do Senhor é a Encarnação do Verbo no seio da Virgem Maria. Sendo o nascimento “apenas” a expressão visível – por todos esperada e desejada – do mistério que tem origem em Nazaré. Assim, podemos compreender que a “descida do Senhor do Céu à terra” seja, de todo, o acontecimento mais admirável. Mais admirável ainda do que o Nascimento em Belém. E de tal maneira é admirável o mistério da Encarnação no seio da Virgem Maria, que os evangelistas, o quiseram assinalar geograficamente. Mas não só. É minha convicção que também o quiseram assinalar temporalmente, o quando tudo isto aconteceu.


Como Sol nascente

Nos hinos de João e de Zacarias temos duas indicações – a meu ver – que parecem ser temporais e relativas a Nazaré. Ao afirmarem que o Verbo é como a luz verdadeira que rompe as trevas e o Menino no seio de Maria é como o sol que nasce do alto, os evangelistas – discretamente – não estariam a fazer uma alusão ao solstício de Inverno, ao qual estava associado a festa do Sol Invictus?

Esta era uma festa muito celebrada no mundo pagão, mas que ainda “aguardava” a atribuição do seu verdadeiro significado. Um significado que os evangelistas terão acolhido e compreendido, mas sendo sensível e delicado, teria ainda de esperar por tempos mais propícios para ser “assumido” liturgicamente, e ser “convertido” na festa do Natal. Porém, se esta referência é temporal e respeita mesmo a Nazaré, então o nascimento em Belém teria de ter sido pelos inícios do Outono. O que nos coloca no contexto do tempo da Festa das Tendas, que recorda a passagem do povo pelo deserto, quando Deus “habitou” numa Tenda.

Era a altura, também, em que se celebrava o dia do Grande Perdão, uma solenidade que aos olhos de José – e de Zacarias – teria de ser, neste caso, mais do que uma coincidência, uma vez que o Menino trazia consigo a promessa do perdão dos pecados. Por outro lado, nos inícios de Outono o tempo era ainda suficientemente quente para os pastores poderem estar – como diz Lucas – em campo aberto a guardar as suas ovelhas. E, tendo em conta o pragmatismo dos romanos, era uma altura que ainda proporcionava condições favoráveis para as deslocações para um recenseamento.

Por fim, mas não por último, até a admiração de Balaão pelas tendas das tribos de Jacob parece apontar para o contexto da Festa das Tendas. Foi precisamente este mago pagão que, contra a sua própria vontade, proferiu o surgimento da estrela de Jacob e do levantar-se de um cetro em Israel. Daqui terá nascido a expectativa que circulava no Oriente, sobre o nascimento no país de Judá de um soberano que havia de trazer a salvação e dominar o mundo. Não admira, então, que depois, outros magos no Oriente, começassem a observar atentamente os céus, na esperança de ver a “estrela” que os levasse para a grande peregrinação das suas vidas.


Vimos a sua estrela

Diante destas palavras dos magos, o espanto de Herodes, e dos habitantes de Jerusalém, foi enorme. Significa, então, que o fenómeno da “estrela” foi muito discreto, e só pôde ser notado e interpretado por quem tinha – diríamos hoje – uma atenção mais “científica”.

O que terão visto os magos? Ao longo do ano 7 A.C. observaram a aproximação aparente de Júpiter e Saturno, por tês vezes, no signo dos Peixes, com máximos em 29 de Maio, 3 de Outubro e 4 de Dezembro. A primeira aproximação só foi visível antes do nascer do dia, olhando em direção ao Oriente. É o que os magos queriam dizer quando afirmam que viram a sua “estrela” no Oriente.

A segunda foi visível toda a noite, “percorrendo” o céu do Oriente para Ocidente, ou seja, no sentido que os magos tomaram para Jerusalém. E a terceira, vendo-se apenas a sudoeste, logo depois do pôr do sol, de Jerusalém “apontava” para Belém. Sendo ali que o fenómeno terminou – isto é, “parou” – à vista dos magos. Mas como seria de esperar – na descrição de Mateus – aparentemente a “estrela” andou aos “ziguezagues”. Porém, precisamente por não ser um relato científico, é que a narração é credível, pois é conforme as direções em que os magos se deslocaram.

Até em relação ao tempo do fenómeno, que durou pouco menos de um ano, está de acordo a brutal crueldade de Herodes, ao acrescentar mais um ano às crianças que haviam de morrer. E mesmo que Mateus fale só de uma “estrela”, estão subentendidas as crenças do Oriente, trazidas pelos magos, que viam em Saturno a “estrela” representante do povo judeu. Que surgindo, por três vezes, ao lado de Júpiter – a ‘estrela’ representante do principal deus babilónico, Marduc – teria feito deduzir aos magos que se estava a realizar o vaticínio de Balaão.

Mas só com a profecia de Miqueias, confirmada pela “estrela”, é que os magos se encheram de alegria. E estando já nos inícios de Dezembro, teriam encontrando “só” o Menino e sua Mãe, em circunstâncias muito diferentes da noite do nascimento. Maria e José, já teriam feito a apresentação no templo e cumprido todas as prescrições da Lei, podendo assim fugir para o Egipto, logo depois da partida dos magos. E voltando à Judeia, só depois da morte de Herodes, por medo de Arquelau foram forçados a regressar a Nazaré, na Galileia, levando consigo um Menino, de que só eles sabiam da sua misteriosa origem, mas que por nascimento era… Jesus de Belém.


frei Pedro Perdigão

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