No princípio foi o hábito de Francisco

Dizem-no sobretudo os economistas, já preocupados pelo nível de sustentabilidade sempre mais precário e pelas sempre mais prementes exigências do mercado. Imersos em sociedades quase bulímicas parecemos incapazes de nos colocar um limite. No ano passado o Nobel para a Economia foi para William Nordhasus, di Yale, e a Paul Romer, da universidade de New York.

No horizonte dos estudos de ambos está a “sustentabilidade“, uma palavra que remete para o piano (o pedal, the sustain) que alonga as notas no tempo. Um conceito que já fazia caminho em âmbito católico no século XIII, na época dos grandes pensadores medievais, e acabou no centro da encíclica “Laudato Si‘” do Papa Francisco.

A sustentabilidade não se alcança só com escolhas que respeitam as características dos recursos disponíveis – a água, o território, o ar, o subsolo – mas de como são individuadas as soluções que irão gerar recursos num percurso virtuoso.

Até uma santa da Baviera de época medieval, Hildegarda da Bingen, doutora da Igreja, deixou agudas análises a propósito da relação entre o ser humano e o ambiente. Estudos e análises do género, portanto, em âmbito eclesial não são uma novidade, pelo menos na dimensão mais especulativa, visto que nos últimos oito séculos filas de filósofos, canonistas e teólogos discutiram precisamente sobre a relação entre riqueza e bens inalienáveis, os assim chamados bens sagrados, cuja administração tocava apenas ao clero.

Eram distintos dos bens não sagrados, que por seu lado eram da competência dos leigos. A definição de inalienabilidade de um bem já era clara a partir do XI século. O crescimento cultural complexivo da economia e da vida dos mercados representava para os pensadores um ponto fundamental par ao modelo social que a sociedade cristã no seu conjunto ia construindo na Europa.

Estava a surgir o conceito de bem comum, de circulação da riqueza, de produtividade do dinheiro, começava-se a enfrentar completamente o tema das taxas de interesse. Os debates académicos tornavam-se sempre mais intensos e envolviam os intelectuais de então, franciscanos, dominicanos e agostinianos que tinham em Bologna, Oxford, Paris e Roma as suas escolas de referência. Nos inícios do século XIII vem completada a definição da pobreza, entendida como penúria ou insuficiência. Trata-se de uma condição que dizia respeito também ao modo normal. Era, por exemplo, entendido como pobre o sacerdote, mas também o bispo porque por definição os bens que administrava não lhe pertenciam individualmente visto que eram da instituição eclesiástica. Eram pobres, porém também os cidadãos atingidos pelas carestias, os mendicantes, o artesão que por circunstâncias da vida se encontrava a viver num padrão de vida mais baixo que o seu nível.

Boaventura de Bagnoregio, ministro geral dos franciscanos a partir de 1257, definia o conceito de luxo aceitável só conforme as proveniências sociais. O supérfluo, escrevia, devia ser reportado à necessidade real dos sujeitos, com base naquilo que faziam na vida. A purpura, portanto, não era um bem supérfluo para quem tinha papéis de comando. O mesmo para as joias e as roupas vistosas. Eram supérfluos só para a maior parte das mulheres que não pertenciam à linhagem nobre. Egídio de Lessines, Matteo d’Acquasparta, Pietro di Trabibus, Francesco da Empoli, Guglielo Centueri são todos pensadores que afinaram o olhar sobre as transações de crédito, sobre a riqueza, sobre a pobreza, sobre os operadores económicos.

Naquele período cai também a tendência filosófica aristotélica que distinguia entre objetos produtivos e reprodutivos e objetos inaturais, como por exemplo a moeda, considerada estéril e improdutiva. O mundo estava mudando e elaboravam-se novos modelos organizativos económicos.

A economia circular, pelo menos no seu embrião, não é de facto estranha àquele período na Igreja. Descobriu-se recentemente que até o hábito de são Francisco era feito de pedaços de tecido diversos, reciclados, ligados entre si em forma de cruz. Podemos, portanto, dizer que na alta Idade Média tinha feito estrada uma espécie de economia circular ante litteram.

Oitocentos anos depois os frades de Assis juntamente com o Papa Francisco – que dedicou ampla parte da sua “Laudato Si'” à sustentabilidade – estão organizando na Umbria uma espécie de Davos católica. É possível mudar? «A crise atual demonstra o fracasso dos modelos económicos que dominaram nos últimos decénios e prova que praticamente é necessário rescrever os manuais de economia. Existe um contexto novo e é o modelo da economia civil de mercado aquilo que que devemos olhar», explica o economista Stefano Zamagni que juntamente ao colega Luigino Bruni faz parte do board científico que organiza o encontro de 2020 no santuário de Assis.

A corrente dos economistas que aderiu ao projeto está convencida que neste momento confiar-se apenas às forças do mercado corre-se o risco de perder tempo, mesmo se é precisamente o mercado financeiro a ter conquistado um imenso poder sobre a vida das populações substituindo-se até à política ou, mesmo, à fé.

Os economistas premiados nos últimos anos, além dos microssistemas económicos, pela primeira vez estudam também a possibilidade de procurar a qualidade da vida, a felicidade, em conclusão. Não é por acaso que Nordhaus, por exemplo, considera o ambiente parte integrante do sistema económico.

Por certos aspetos faz vir à mente aquilo que escrevia Santa Hildegarda. Tudo se tem no céu da vida. No contexto da economia circular é abordado também o escândalo dos desperdícios alimentares. Segundo os dados da Fao (Global Food Losses and Food Waste), todos os anos são desperdiçados ou perdidos 1,3 biliões de toneladas de comida, igual a um terço dos alimentos produzidos para o consumo humano.

Na Europa e na América do Norte o desperdício pro capite é calculado à volta dos 95-115 kg ao ano, enquanto na África subsaariana e no Sudeste asiático monta apenas a 6-11 kg. A isto se junta que os consumadores dos países ricos desperdiçam quase a mesma quantidade de comida (222 milhões de toneladas) de toda a produção alimentar da África subsaariana (230 milhões de toneladas).

A Igreja faz notar que para mudar estilo é preciso tomar consciência. «Se se parte um computador é uma tragédia, mas a pobreza, as necessidades, os dramas de tantas pessoas acabam por entrar na normalidade».

de Franca Giansoldati – Il Messaggero

Redação, Andrea Cova

publicado em 30-10-2019, sanfrancescopatronoditalia.it

Tradução, frei Zé Augusto

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