O que é a vocação e como reconhecê-la?

Entre as muitas questões que muitos de vós me colocam, volta com frequência uma pergunta: mas o que é a vocação? Como reconhecê-la e decidir-se por ela?

Certamente se a própria palavra “vocação” suscita muitas perguntas, muitos outros são sempre os temores e os medos que sabe gerar. Em todo o caso, sobre isso vale a pena refletir e parar um pouco; dizer “vocação”, de facto, não diz muito respeito ao “fazer”, mas é aquilo que a pessoa é chamada “a ser”. A vocação define a pessoa assim como Deus quer que seja. É, portanto, de verdade importante para cada um saber discernir o próprio chamamento: a vida está em jogo!

Por este motivo nós frades franciscanos sempre convidamos os jovens a não escapar ou esconder-se diante de tal interrogação crucial, (mesmo se a cultura contemporânea sugere contínuos adiamentos e a fuga). Pelo mesmo motivo sugerimos, sobretudo para quem traz no coração uma questão sobre a vida religiosa consagrada (ornar-se frade/padre), de frequentar percursos e caminhos de discernimento bem cuidados e sérios (ver curso vocacional Grupo são Damião). Repito: a vida está em jogo!

fra Alberto

O problema central di don Igino Biffi

Conhecer e responder à vocação é a questão central da vida de cada pessoa, sobretudo dos anos juvenis. O discernimento, e a consequente decisão, não se improvisa. Precisa de algumas condições sem as quais se corre o risco de ficar no vazio.

Pegando numa dica da Bíblia, podemos observar que a noção de chamamento é central para descrever a pessoa humana na sua relação com Deus. Os patriarcas, os profetas, os apóstolos iniciaram a sua missão obedecendo a um chamamento de Deus.  

Muitas vezes tratou-se de um evento não isento de temor pelas implicações que comportava, pois que eles estavam conscientes da sua fraqueza; por isso estavam relutantes em aceitar. Jeremias dizia que era muito novo, Isaías que era um homem de lábios impuros, Pedro que era um pecador. Sabiam, contudo, que tinham sido escolhidos e chamados por Deus e estavam conscientes que a sua ajuda e a sua graça teriam sido para eles suficientes.

O termo vocação exprime muitas vezes a missão a que alguém é chamado por Deus, mas o seu significado vai além daquilo que se é chamados a fazer: ainda antes da missão, exprime aquilo que a pessoa é chamada a ser. Em última análise a vocação define a pessoa assim como Deus quer que seja. O importante para todos é saber discernir o próprio chamamento. Tal processo requer algumas “precondições”, recordando que a vocação não é só missão, mas antes de mais é convite a entrar numa relação de amor com Deus.

Charles J. Jackson, jesuíta da Califórnia, fala de algumas precondições indispensáveis se se quer realmente chegar a conhecer aquilo que Deus deseja de cada um. É bom que este percurso seja feito com a ajuda de um guia espiritual, uma pessoa sábia e de oração. Os “autodidatas” são bastante raros neste campo…

Para o discernimento

Primeira precondição: a capacidade de refletir sobre os acontecimentos normais da própria vida. O discernimento requer uma particular sensibilidade para com o próprio mundo interior e a capacidade de refletir sobre aquilo que se experimenta e se vive. A ação de Deus pode ser subtil e permanecer por vezes também irreconhecível, até que não se lhe presta uma atenção na calma. Infelizmente hoje vivemos num mundo de rumor que não é só o da estrada, mas também aquele que nos criamos com a televisão, a rádio, os CD ou os gravadores; rumor que enche cada momento do dia. Se uma pessoa quer refletir com calma sobre a própria vida deve tomar as distâncias deste rumor.

Segunda precondição: a capacidade de descrever aquilo que se experimenta. É preciso, portanto ir sempre além de uma tomada de consciência dos acontecimentos para desenvolver a capacidade de ouvir as respostas a dar. Trata-se de encontrar palavras adequadas para descrever aquilo que se experimenta, mas as palavras sozinhas não bastam; mais importante é que se comece a compreender e a valorizar o modo com que Deus está em ação na própria vida. Tomar-se-á então consciência que existem também outras forças em ação que procuram desviar de Deus e de responder ao seu amor. Como aconteceu, por exemplo, com Santo Inácio que, enquanto estava no hospital, lendo a vida de Cristo e dos santos, se sentia fortemente atraído por estas narrações, mas depois sentia que os seus pensamentos vagueavam para longe fazendo-lhe imaginar que era um valoroso cavaleiro e que realizava feitos heroicos, mesmo se, como ele confessa, estes o deixavam depois vazio e triste. Segundo o p.  Jackson, ter um diário espiritual quotidiano e escrever a própria autobiografia constitui um meio excelente para favorecer este processo.

Terceira precondição: o hábito da oração pessoal. O discernimento da vocação não consiste apenas em chegar a um julgamento acerca do próprio futuro e nem sequer numa simples resposta ao chamamento de Deus. Trata-se antes de entrar no movimento do amor de Deus e de estabelecer uma relação sempre mais profunda com este amor. Ora, aquilo que nutre e favorece esta relação é precisamente a oração.

Ocorre, todavia, ter presente que a oração não diz respeito tanto, como muitas vezes acontece, àquilo que nós queremos dizer a Deus e muito menos as palavras a utilizar no nosso diálogo com ele. Essa começa não com o falar, mas com a escuta. A intenção profunda não deve ser simplesmente a de querer rezar, mas de desenvolver uma atitude de oração que preencha toda a vida quotidiana. Uma ajuda formidável pode ser nisto um guia espiritual, uma pessoa inteligente e de oração, que, além de oferecer sábios conselhos, possa resolver muitas dúvidas e indicar o caminho certo a seguir.

Quarta precondição: o conhecimento de si. É preciso que cada um olhe para dentro de si mesmo e reconheça a trama do desígnio de Deus na própria vida: o modo como pessoas significativas, eventos e decisões cooperaram para a plasmar. Além disso, que ele saiba reconhecer as lutas e os conflitos, as forças e as fraquezas as esperanças e os medos. Que coisa é importante? Que coisa representam? Numa palavra, é necessário que a pessoa conheça quem é.

Um passo ulterior consiste em conhecer os próprios desejos mais profundos. A pergunta que Jesus dirige aos dois discípulos do Baptista “que procurais” (Jo 1,38) deve sentir-se dirigida a todos aqueles que querem discernir a própria vocação. O que desejam no profundo do seu coração? Que coisa ocupa a sua mente? São atraídos primariamente ao sacerdócio, à vida religiosa, ou simplesmente a uma das tantas formas de serviço na Igreja? Se é o sacerdócio, que coisa nesta vocação os atrai? Se ao invés é a vida religiosa, o que encontram nela de atraente? Existe para eles uma forma particular que tem um relevo especial? Se sim, qual e por qual razão?

Quinta precondição: a abertura a Deus e à sua orientação. É importante que as pessoas conheçam os próprios desejos mais profundos e sejam capazes de sonhar acerca do seu futuro. Mas é igualmente importante que sejam verdadeiramente abertos a Deus e tenham a docilidade interior de aceitar como e onde Deus os quiser orientar. E trata-se de o descobrir na realidade de todos os dias.

Não existe vocação sem Cristo

Devemos agora afirmar com força que, mesmo que todas as precondições fossem atuadas, não existe possibilidade de discernimento vocacional a prescindir da relação com Cristo.

A escolha vocacional, de facto, nasce da opção por Cristo e na escolha da própria vocação a escolha de Cristo encontra o seu habitat onde maturar sempre mais.

Escreveu João Paulo II na mensagem para a 42ª Jornada Mundial de Oração pelas Vocações:

«Quem abre o coração a Cristo não apenas compreende o mistério da própria existência, mas também o da própria vocação, e matura esplêndidos frutos de graça […]. Caríssimos rapazes e raparigas! Fiai-vos Dele, colocai-vos em escuta dos seus ensinamentos, fixai o olhar sobre o seu rosto, perseverai na escuta da sua Palavra. Deixai que que seja Ele a orientar todas as vossas procuras e aspirações, cada vosso ideal e desejo do coração».

João Paulo II

Sem este encontro pessoal com Cristo dificilmente poderão nascer e desenvolver-se as vocações, sobretudo aquelas de especial consagração. Recordava-o Paulo VI, numa das suas últimas mensagens para a Jornada Mundial das Vocações: «Ninguém segue um estranho, ninguém dá a vida por uma pessoa que não conhece. Se existe crise de vocações, não será antes de mais crise de fé?». Nasce daqui o primeiro e urgente compromisso: conduzir os jovens a encontrar-se com Cristo!

Decidir-se

Vistas as precondições e esclarecida a centralidade da imprescindível relação com Cristo, permanece agora um passo fundamental: decidir-se. Tal etapa, aparentemente mais fácil na escolha da vida de casal, tora-se por vezes insuperável na resposta a um chamamento à vida consagrada ou sacerdotal. O medo prevalece sobre o abandono, a ânsia de errar sobre a tempestividade da escolha, a “desculpa” (muitas vezes consiste no facto que “não é tudo claro” ou “poderia estar errado”) sobre a evidência de alguns sinais.

É preciso ter presente que o discernimento implica uma decisão que diz respeito àquilo que se deve fazer agora.

Deus não pede para escolher aquilo que seremos ou para decidir pela pessoa que alguém espera vir a ser. E nem sequer convida a considerar todas as possíveis consequências que o futuro lhe poderá reservar. Deus põe-nos a escolha “aqui e agora”. O convite consiste em pôr-se em caminho, escolha após escolha, e deixar que Deus continue a orientar e a guiar. Isto requer generosidade e coragem. Deus chama cada um de nós a segui-lo pelos mesmos passos de Abraão o qual “partiu sem saber para onde ia” (Heb 11,8). Caso contrário … que “fiar-se” seria se conhecêssemos já o destino e as consequências do nosso caminhar? (…)

Assim se dirigia aos jovens o Papa Bento:

«Não temos por acaso todos de certo modo medo – se deixamos entrar Cristo totalmente dentro de nós, se nos abrimos totalmente a ele – medo que ele possa levar qualquer coisa da nossa vida? Quem faz entrar Cristo, não perde nada, nada, absolutamente nada daquilo que torna a vida livre, bela e grande. Só nesta amizade se abrem as portas da vida».

(Papa Bento XVI)
de fra Alberto Tortelli

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