No silêncio acolhedor do Jardim Botânico, a uma dado momento do nosso caminho, fizemos uma pausa junto da pequena capela dedicada a São Bento. No espírito de S. Bento queríamos recordar que a paz, pela qual estávamos a caminhar, não é apenas um estado de ausência de conflito, mas uma harmonia profunda com o mundo que nos rodeia. A espiritualidade beneditina, tão presente na Regra de São Bento, ensina-nos que o equilíbrio entre a oração e o trabalho é uma chave para essa paz. Ali, no meio do bambuzal, cercados pela criação, éramos convidados a redescobrir o verdadeiro sentido do cuidado com o mundo natural.
Quando São Bento fundou os seus mosteiros, não pensava apenas em criar espaços de recolhimento e oração. Ele via o mosteiro como um lugar onde o trabalho e a natureza se entrelaçavam numa relação de respeito e gratidão. O trabalho agrícola, essencial para a subsistência dos monges, não era visto como uma simples tarefa mundana, mas como um acto de participação na obra criadora de Deus. Cada pedaço de terra cultivado, cada fruto colhido, cada refeição partilhada à mesa do mosteiro era, para Bento, uma forma de adoração. Ele entendia que, ao trabalhar a terra, o monge entrava numa relação de parceria com o Criador, reconhecendo o valor sagrado da criação.
Neste espírito, o Papa Francisco, na Laudato Si’, recorda-nos como o legado de São Bento pode inspirar-nos hoje a cuidar melhor do nosso mundo.
«Algo se pode recolher também da longa tradição monástica. Nos primórdios, esta favorecia de certo modo a fuga do mundo, procurando afastar-se da decadência urbana. Por isso, os monges buscavam o deserto, convencidos de que fosse o lugar adequado para reconhecer a presença de Deus. Mais tarde, São Bento de Núrsia quis que os seus monges vivessem em comunidade, unindo oração e estudo com o trabalho manual («Ora et labora»). Esta introdução do trabalho manual impregnada de sentido espiritual revelou-se revolucionária. Aprendeu-se a buscar o amadurecimento e a santificação na compenetração entre o recolhimento e o trabalho. Esta maneira de viver o trabalho torna-nos mais capazes de ter cuidado e respeito pelo meio ambiente, impregnando de sadia sobriedade a nossa relação com o mundo.» (n. 126)
O trabalho humano, que tantas vezes é visto apenas como um meio de subsistência, ou para sermos bem sucedidos, é, para S. Bento e para o Papa Francisco, algo mais: uma oportunidade de dignidade e santificação. Tal como S. Bento ensinava os seus monges a tratar cada objecto e cada recurso do mosteiro com reverência, o Papa Francisco apela a que todos nós vejamos a criação como um dom sagrado, a ser cuidado com respeito e gratidão.
Ali, no meio daquele jardim cheio das mais diversas árvores, plantas e flores, sentimos esse chamamento com maior intensidade. A paz que procurávamos através dos nossos passos não podia dissociar-se da forma como poderíamos cuidar da terra, das plantas, dos animais, de tudo o que Deus criou. Cada caminhada do quotidiano pode ser, por isso, também um convite a uma conversão ecológica, a uma nova forma de estar no mundo, onde o trabalho das nossas mãos, tal como o de São Bento, se torna uma extensão da nossa oração. Tal como a capela de São Bento naquele Jardim Botânico nos convida ao silêncio e à contemplação, que o mundo natural à nossa volta nos lembre que o cuidado da criação é parte integrante da paz que procuramos, uma paz que começa no coração e se estende a toda a criação.