Recebemos muitos mails em que voltam algumas perguntas de fundo: qual é o sentido da vida? E como dar resposta à nossa inexaurível sede de liberdade, de infinito, de sentido.
Por vezes estas interrogações são acompanhadas por um profundo sofrimento onde não se entreveem saídas, nem horizontes possíveis de salvação: só um beco escuro e cego. Outras vezes, estas questões, conduzem a portas semifechadas, abrem a uma nova luz e a novas e inesperadas respostas, mas ainda inevitavelmente a novas perguntas e fadigas e desafios.
A este propósito volto a propor-vos hoje a leitura de uma carta que chegou há um ano à redação do “Mensageiro de Sant ‘António” (a revista mensal dos frades da basílica do Santo) à qual respondia o então diretor da revista, fra Fabio Scarsato, com palavras que, estou certo, tocarão o coração de muitos.
fra Alberto
– info@vocazionefrancescana.org
Da conversão às dúvidas sobre o sofrimento (carta)
«Gentil padre, escrevo-lhe para partilhar o meu caminho. Um percurso atormentado, acidentado, doloroso. Trabalho, fadiga, sacrifícios, relações pessoais dramáticas, depressão, Deus lá ao fundo. Lia muito sobre Ele e Dele, mas não frequentava a igreja e gostava da minha abordagem muito intelectual, fechada naquela que, agora percebo, era apensa soberba.
Uns dias antes da Páscoa de 2011 adoeci e uma manhã, nunca o esquecerei, tive a sensação que uma presença estivesse ao meu lado, que estivesse a escrever juntamente comigo a minha história. Na noite de Sábado santo, depois de ter chorado todas as minhas lágrimas, decidi que não seriam mais os livros, mas o regresso seria a minha estrada.
Desde então vou à igreja, recebo a santa Comunhão, rezo todos os dias. Não lhe escondo, todavia, que a estrada continua a ser em subida: o problema do mal, desta presença adversa que Deus permite, deixa-me obcecada. Muitas vezes, quando a violência contra a infância e a natureza me devasta, digo-lhe: “Vês? Quiseste que fossemos livres-livres de fazer também isto, livres de escolher até de te ofender, aliás de te matar em nós –; dás-te conta que o Teu não intervir faz de Ti um cúmplice?”
Sei que da noite de Sábado santo 2011 eu voltei a Ele e sinto que, se o quero verdadeiramente, nunca o perderei. Mas esta é também a minha amargura, a raiva pelas muitas rejeições, o terror por um futuro incerto e confuso, a consciência de ter falhado em muitos aspetos, que não posso não citar as esplendidas palavras de Ivan Karamazov: “Fixaram um preço demasiado alto pela harmonia; não nos podemos permitir de pagar tanto para aceder a ela. Portanto apresso-me a restituir o bilhete de entrada. E se sou um homem honesto, sou obrigado a fazê-lo o mais rápido possível. E estou a fazê-lo. Não que não aceite Deus, Alëša, só lhe estou a restituir, com a máxima deferência, o seu bilhete”. Eis, hoje é um destes dias em que, se apenas tivesse coragem, eu restituiria o bilhete de entrada».
Resposta de fra Fabio
Caríssima, obrigado pela sua intensa carta, cortada nalgumas das suas partes pelas habituais razões de espaço. Pessoalmente, quanto descreve trouxe-me à memória o itinerário de tantos homens e mulheres que descobriram na sua história as marcas da passagem de Deus, e não puderam mais fazer a menos dele.
Vem-me à mente Francisco d’Assis, vem-me à mente Etty Hillesum, figuras que cito não por acaso, porque ambas conheceram o enamoramento de Deus, mas também a dificuldade de estar perto dele, no domingo de ramos e nos dias da cruz. Também você passou de um Deus «por ouvir falar», impessoal, metáfora do eu, a um Deus finalmente «pessoal», ao qual tratar confidencialmente por «tu».
Assim aconteceu também com Etty Hillesum, jovem escritora holandesa de origem hebraica vítima da Shoah, que nos deixou no seu Diário páginas de grande profundidade e impacto. Etty evita na sua relação com Deus atalhos e formas domésticas, continuando a aceitar que ele seja aquilo que, também na sua alteridade, é e comporta: acreditar nele não é dado por descontado nem banal, mas é realmente um acto de coragem! Mesmo se depois, e é apenas aparentemente em contradição com quanto acabamos de dizer, ele se nos impõe com extrema naturalidade, como se fosse a coisa mais obvia da nossa vida, como se aí habitasse desde sempre, pelo menos clandestinamente, até que nós o tenhamos descoberto.
O milagre quotidiano que Etty Hillesum consegue fazer acontecer na sua vida é conseguir manter junta a fé neste Deus «pessoal» com o drama da sua história pessoal, sem com isso o degradar a uma companhia tranquilizadora ou a fácil e desencarnada resposta às suas perguntas vitais; mas nem sequer abdicando da própria dignidade e responsabilidade. Para Etty daí deriva que a sua fé se apoia sobre o facto que ambos, o Deus pessoal e a própria vida, constituem um mistério incompreensível: «Se tu afirmas que acreditas em Deus deves também ser coerente, deves abandonar-te completamente e deves ter confiança».
Noutra passagem do Diário depois lê-se: «Pões-me diante dos Teus máximos enigmas, meu Deus. estou-te agradecida por isto, tanho também a força de os enfrentar, de saber que não existe. É preciso saber suportar os teus mistérios». Não é uma rendição, mas um lançar-se, carregando-se de responsabilidades. Diante do mal do mundo podemos – e devemos – assumir o compromisso de não desperdiçar quanto de bom o Senhor fez na nossa vida e na criação.
Um dos primeiros companheiros de são Francisco, o beato Egídio, costuma dizer que «os maus fazem este mundo horrível, os bons fazem-no maravilhoso».
Toca-nos também a nós decidir de que parte estar, mas só uma destas partes vale a pena ser tomada em consideração, só uma destas partes é a resposta plena para a nossa inexaurível sede de liberdade, de infinito e de sentido.
– info@vocazionefrancescana.org
CONTACTOS EM PORTUGAL
Para mais informações podes contactar:
Frei. José Carlos Matias – Viseu
Tel: 232 431 985 | E-mail: freizecarlos@gmail.com
Frei André Scalvini – Lisboa
Tel: 21 837 69 69 | E-mail: andreasfrater4@gmail.com
Frei Marius Marcel – Coimbra
Tel: 239 71 39 38 | E-mail: mariusinho93@gmail.com