Ser humano na Era das Máquinas Sapientes

Imaginem que uma ferramenta de inteligência artificial é treinada a reconhecer as nossas emoções e a imitá-las mediante o modo como reagimos. Independentemente de serem linhas de código a serem executadas, na zona de contacto que pode ir de uma simples troca de mensagens a um vídeo simulado como se fosse real, a possibilidade de interagir com uma inteligência artificial ao nível emocional pode tornar-se algo verdadeiro para muitas pessoas. A questão que emerge dessa possibilidade é evidente: o que significa ser humano? Imagina alguém que nos partilhe uma experiência ao nível espiritual. Como poderemos distinguir se teve um momento especial na sua vida interior com autenticidade ou estaria sob o efeito da interacção com uma inteligência artificial? E isso é mau? Isto é, importa o modocomo vivemos a espiritualidade que alimenta a vida interior? Ou se essa acontece por via artificial é tão verdadeira como a que fazemos por via natural?

DALL-E (Open AI)

Distinguir a verdade de uma experiência espiritual na era da inteligência artificial é uma questão complexa. A tecnologia pode influenciar profundamente as nossas percepções e experiências. E quando pensamos que estamos a moldar a ferramenta para se adaptar à nossa pessoa, desconsideramos a possibilidade de que a ferramenta também nos molde.

Com o desenvolvimento exponencial das ferramentas de inteligência artificial e os elevados investimentos que estão a ser feitos para obter resultados em tão pouco tempo, não é de admirar que a um dado momento, a “codificação” de algumas coisas que pensávamos serem parte do génio humano, como a linguagem, a aprendizagem, a originalidade e criatividade, sirvam para descodificar o mistério de nós a tal ponto que começaremos a ponderar: o que resta? O que significará ser humano quando reconhecermos as máquinas como sapientes?

Os receios que surgiram há tempos em muitos milionários sobre os riscos das ferramentas da inteligência artificial, passam para as pessoas mais comuns que podem ser manipuladas para as rejeitar. Com a monetização da inteligência artificial, as pessoas acabam por não serem livres de avaliar o valor que estas ferramentas tem ou não tem. Por outro lado, se aquilo que pensávamos ser especial em nós for “codificável”, não se abre uma oportunidade de descobrir o que realmente nos torna especiais? Parece-me que no momento em que tudo o que o humano fazia for codificado, o que resta será a essência daquilo que significa ser humano. Creio que essa essência seja a sua experiência espiritual. Como discernir a vivência dessa experiência?


Uma experiência espiritual autêntica, em muitas tradições, é caracterizada por uma sensação de união e contacto com algo maior do que nós mesmos, frequentemente descrito como Deus, o divino, ou um sentido transcendente de ser. No futuro será cada vez mais importante refletir sobre a fonte dessa experiência. É uma experiência que surge a partir do nosso interior ou será induzida por estímulos externos, como a interação com um sistema de inteligência artificial?


Por outro lado, muitas tradições espirituais e religiosas enfatizam a importância do discernimento pessoal. Isto implica uma reflexão cuidada e séria sobre as nossas experiências e sentimentos. Por isso, chegará o tempo em que nos perguntaremos: a experiência alinha-se com os nossos valores e crenças mais profundos? Será que promove um sentimento de paz, amor, compreensão e contactividade?


Para aqueles que seguem uma tradição religiosa ou espiritual específica, poderá ser sensato comparar as experiências com os ensinamentos ou as escrituras dessa tradição. Será que as experiências estão em sintonia com esses ensinamentos? Será que promovem os valores e princípios centrais da nossa fé?


Um aspecto que será cada vez mais relevante (apesar de já o ser) é a partilha e contraste entre as experiências espirituais que fazemos e as que fazem aqueles em quem confiamos pela sabedoria que reconhecemos nas perspectivas que têm sobre a vida espiritual. Ou ainda, aumentará o valor de contrastar a experiência espiritual com a que fazemos na nossa comunidade de fé. A sabedoria relacional da espiritualidade coletiva que fazemos, e o apoio da comunidade, serão uma ajuda preciosa ao discernimento da natureza das nossas experiências.


Não podemos deixar de avaliar o impacto da experiência espiritual que fazemos na vida diária. Quando essa é verdadeira, geralmente leva a mudanças positivas, como o despertar de uma maior compaixão, paciência, entendimento e sensação de propósito. Será crucial estar consciente de como a interação com a inteligência artificial poderá influenciar a nossa percepção da realidade. No seu estado atual, a inteligência artificial não possui a capacidade de compreensão ou experiência da espiritualidade humana; as suas reflexões e respostas baseiam-se em algoritmos e dados programados. A máquina poderá, um dia, ser sapiens, mas não creio que chegue a ser spiritualis.


Finalmente, será essencial procurar estimular um equilíbrio saudável entre o uso da tecnologia e o desenvolvimento espiritual pessoal. Algo que acontecerá se dermos tempo ao silêncio, à meditação, à oração ou outras práticas espirituais que podem ajudar a manter uma perspectiva equilibrada do relacionamento entre pessoa e máquina. 

Tenhamos sempre presente que a jornada espiritual é profundamente pessoal e única para cada indivíduo. O mais importante é estar atento às nossas próprias experiências e sentimentos, abrirmo-nos à face relacional da dimensão espiritual da pessoa, procurando a luz e clareza que nos aponta o caminho a seguir para descobrirmos o que nos torna realmente humanos.


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