Sexta feira, 3 novembro 2023
Entrevista ao Card. François-Xavier Bustillo OFMConv
– Depois do Angelus de Domingo 9 julho 2023 na Praça São Pedro, no Vaticano, o Papa Francisco anunciou a lista dos novos Cardeais, criados depois no Consistório de Sábado 30 setembro 2023. Entre os nomeados, um Frade Menor Conventual, Bispo de Ajaccio na Córsica (França), com quem tive a oportunidade e o prazer de falar.
– De facto, foi um momento de surpresa para mim. Encontrei-me nomeado Cardinal por vontade do Santo Padre. Quando recebi esta notícia, para além das emoções e das reações, pareceu-me certa a atitude de confiança e de serenidade. Um dia na minha juventude, pela profissão dos votos, disse “sim” ao Senhor; hoje numa outra situação eclesial, continuo a dizer “sim” ao Senhor para a construção do Reino.
– Eminência, no início desta conversa, queria pedir-lhe para “se apresentar” aos nossos confrades, sobretudo àqueles que ainda o não conhecem, que ofereça um olhar sobre a Sua vida, em particular sobre a Sua experiência de frade franciscano.
Como primeira coisa desejo perguntar-lhe sobre o ambiente onde a Sua vocação amadureceu: a Sua família, “pequena Igreja doméstica” que formou em Si valores humanos e cristãos. Ainda hoje são uteis os princípios aprendidos na família? Volta com frequência com a memória à casa paterna?
– Nasci numa família católica da Navarra, em Espanha, perto da fronteira com a França. Aos dez anos entrei no seminário menor onde fiz a formação até ao ensino médio. Na minha família recebi os valores essenciais da vida humana. Os meus pais encorajaram-me a descobrir a vida no seminário e a avaliar se era feito para mim. Nesta etapa da minha vida encontrar jovens frades franciscanos felizes e audazes estimulou-me muito. O testemunho da vida tem um peso fundamental na vida relacional.
– Quando e em que contexto, Eminência, descobriu a Sua vocação religiosa e sacerdotal? Existe um acontecimento particular e decisivo? Porque é que a escolha se orientou para os Conventuais?
– No meu percurso não aconteceram sinais particulares como para São Paulo. Vivi na disponibilidade para a vontade do Senhor. A vida vocacional foi linear e simples. Para mim o encontro com os frades foi motivo de encorajamento para continuar com os frades Conventuais. São Francisco agradava-me por motivos, diria, um pouco poéticos. Depois, o tempo e a formação inicial, deram-me a possibilidade de descobrir um São Francisco sólido, capaz de mudar a sua vida e capaz de mudar a orientação da vida dos irmãos, pela sua radicalidade e a sua coerência evangélica.
– As várias etapas da Sua formação religiosa, enriqueceram-no, abrindo horizontes novos, até então desconhecidos, contribuindo para a preparação do ministério futuro? Como é que vê, segundo a Sua experiência, a futura formação para a vida franciscana?
– Depois do ensino médio parti para Pádua para o Noviciado e a sucessiva formação franciscana e teológica. Para mim, Pádua, foi um belo momento para colocar as bases da minha vida religiosa. Em Pádua recebi os valores que dão solidez e estabilidade à vida religiosa e franciscana.
Hoje penso que a formação franciscana, e aquela para a vida religiosa em geral, deva ter uma base académica e intelectual, mas não se pode limitar apenas ao “saber”. Se na origem da vida franciscana existe só o “fazer” e o “saber”, não basta.
Creio que seja necessária a memória da nossa profissão religiosa. O dia do nosso “sim” na família franciscana e na Igreja, oferecemos a nossa vida. Esta não é uma banalidade. Oferecer a vida significa dar o tempo, as energias, o afeto, o saber, tudo pelos outros. A lógica do dom é fecunda e abre os corações.
– O que é que mais o fascinou da espiritualidade franciscana, influenciando depois as suas escolhas?
– A liberdade de São Francisco. O seu caminho vocacional é feito de escolhas radicais para evitar uma vida tépida e medíocre. Desde o despojamento diante do pai até à morte, toda a sua vida é uma procura da autenticidade evangélica. Francisco quer viver e não apenas existir. Francisco não tem medo, o motor da sua vida não é o medo, mas o amor. Por isso arrisca, ama, dá-se, perdoa e abandona-se. O seu itinerário é um processo de maturidade espiritual sem táticas e estratégias humanas, mas procurando sempre a vontade de Deus.
– Eminência, quais são os Santos franciscanos a quem faz referência para a Sua vida espiritual? De que coisa se sente atraído? O que é que admira da sua vida exemplar?
– São Francisco, Sant’António, Santa Clara, São Boaventura e São Maximiliano Kolbe são sempre modelos para mim. Certo, dir-me-eis, não é muito original… Mas estes santos incarnam a continuidade do carisma franciscano. Padre Kolbe sempre me fascinou pela sua liberdade e pela sua coragem. Em Auschwitz, num mundo duro e obscuro, com a sua escolha de dar a vida por um outro, Kolbe escreve uma página luminosa naquele inferno do lager. «A luz brilha nas trevas» (Jo 1,5).
– Eminência, como é que avalia antes da Sua nomeação episcopal, o Seu ministério sacerdotal? Na Sua opinião, em que coisa consiste a beleza da missão do sacerdote? No Seu percurso vocacional, aconteceram desilusões ou desencorajamentos? No mundo de hoje, que parece esteja perdendo sempre mais a sua identidade cristã, como enfrentar a crise do sacerdócio ministerial?
– Para mim, a vida religiosa é a vida! Na nossa vida existem momentos felizes e outros mais difíceis, é normal, ainda não estamos no Paraíso. Sobre a minha estrada de como frade, sacerdote e Bispo, o motor que me animou foi sempre eo dom de si. Numa sociedade onde é fácil tomar e possuir, nós escolhemos dar e dar-nos. A tentação, também para os frades, é encontrar espaço confortável para aproveitar da vida e estar bem. A nossa escolha consiste não só no “estar bem”, mas no “fazer o bem”.
Na minha opinião, hoje, é profético viver este desapego “de si mesmo” para chegar à maturidade “do nós”. As crises do mundo e da Igreja, são momentos excecionais para encontrar em Deus, e no seu Espírito criativo, caminhos novos. Francisco, num mundo complexo, dá a sua resposta com a sua vida. Nós por vezes lamentamo-nos das dificuldades e desaceleramos o nosso entusiasmo, em vez de encontrar respostas evangélicas para a sede de Deus no nosso mundo.
– No Seu brasão episcopal, inseriu o lema: In ipso vita erat (Nele estava a vida: Jo 1,4), e sobre a imagem comemorativa, por ocasião da Sua consagração Episcopal, uma frase tirada dos Escritos de São Francisco d’Assis: “E cuidem os frades de se mostrarem tristes por fora e nublados como os hipócritas, mas mostrem-se alegres no Senhor e felizes e corteses como se convém” (Regra não bulada VII, 16: FF 27). Em que medida as palavras aqui referidas – vida no Senhor, alegria no Senhor – determinam o Seu programa pastoral e a orientação das atividades de evangelização na Sua Diocese?
– Estas palavras não são só fruto do protocolo típico dos Bispos. Estas palavras para mim são vida e força. Estas palavras incarnam um ideal a seguir para ser significativos num mundo que procura uma bussola existencial. A vida e a alegria levam a agir com esperança. O mundo anuncia muitas mortes que dizem respeito: à natureza, aos sistemas políticos e económicos, à Igreja… Mas nós nascemos todos do tumulo de Jesus. de um lugar de morte surge o cântico da vida: aleluia! A nossa vocação não é de ser ingénuos, mas de ser os profetas da esperança. A fé abre à esperança. Quem acredita, espera, quem espera vive com alegria.
– Em que circunstancias Eminência, recebeu a nomeação cardinalícia? Com que espirito aceitou o chamamento a este novo serviço na igreja par ao bem da humanidade? Que pensamentos o acompanharam durante a celebração do Consistório? Quanto é que o carisma franciscano Lhe será útil no exercício das Suas funções cardinalícias?
– Como dizia a nomeação foi uma surpresa. Neste estado de vida quero continuar a servir o Senhor amando a igreja. Um franciscano Cardeal leva consigo o seu património espiritual e experiencial. Vivendo a celebração do dia 30 setembro, senti uma grande paz e serenidade. Deixei-me levar pelas palavras e pelos gestos da celebração. De facto, como tantas celebrações litúrgicas, para mim o Consistório foi um momento de fecundidade. A Igreja gera novos Cardeais, não para prestígio pessoal, mas para o bem da Igreja. Um Cardeal franciscano oferece a sua colaboração à Igreja, através da própria vida, para a reparação daquilo que o mal realiza no mundo, partindo do Evangelho, amando os irmãos e vivendo a pobreza e a simplicidade.
– Que mensagem gostaria de oferecer a toda a Ordem?
– À família franciscana conventual diria, com simplicidade, que procure novas estradas para não se limitar a avançar por inercia, no estilo do sempre se fez assim. Por vezes na igreja existe muita gestão (necessária) mas pouca visão (urgente). Não esqueçamos o sonho de Francisco em Espoleto e o sonho do Papa com Francisco que sustém a Igreja.
A Ordem tem um património humano e espiritual excecional, existem pessoas únicas, levemos o sal à terra para reencontrar o gosto da vida, a alegria na vida. O mundo tem sede de Deus.
– Muito obrigado pela Sua disponibilidade para esta entrevista. Desejo com todo o coração que a missão que acabou de Lhe ser confiada, seja constantemente renovada pela força do Espírito Santo, fortalecida pela intercessão da Virgem Imaculada e do nosso seráfico pai São Francisco, produzindo frutos abundantes na Igreja.
Roma, Convento Santi XII Apostoli, 3 Ottobre 2023
Entrevistador: Fra Sławomir Gajda OFMConv
O Cardeal François-Xavier BUSTILLO OFMConv nasceu em 23 novembro 1968 em Pamplona (Espanha). Entrou no Seminário menor de Baztán (Navarra), fez o Noviciado em Pádua (Itália), onde completou os estudos filosófico e teológicos no Instituto Teológico Sant’António Doutor, licenciando-se em Teologia no Institute Catholique de Tolosa em 1997. Emitiu a Profissão simples em 12 setembro 1987 e a solene em 20 setembro 1992, e foi ordenado presbítero em 10 setembro 1994. Exerceu os seguintes cargos: Guardão de Narbona (2002-2018); Pároco de São Boaventura em Narbona (2002-2017); Custodio provincial de São Boaventura em França e Bélgica (2006-2018); Pároco in solidum de Santa Croce em Narbonnais e Membro do Conselho Episcopal da Diocese de Carcassonne e Narbona (2007-2018); Vigário episcopal para Narbonnais-Corbières, Delegado para os novos movimentos de espiritualidade e para o diálogo inter-religioso (2012-2018). Desde 2018 até à sua nomeação para Bispo foi Guardião do Convento São Maximiliano Kolbe em Lourdes, Delegado episcopal para o Santuário de Lourdes e para a proteção dos menores e desde 2020 Membro do Conselho Episcopal da Diocese de Tarbes et Lourdes. Em 11 maio 2021 o Papa Francisco nomeou-o Bispo de Ajaccio foi consagrado no dia 13 junho 2021 na Catedral de Ajaccio, e como lema episcopal escolheu as palavras In ipso vita erat (Nele estava a vida: Jo 1,4).
No dia 30 setembro 2023, o Papa Francisco criou-o Cardeal e confiou-lhe o título de Santa Maria Imaculada de Lourdes no bairro Boccea em Roma.
No dia 4 outubro 2023, tinha-o contado entre os membros do Dicastério para o Clero.
Tradução, fr. zé augusto