A Palavra de Deus e a Vocação

Porque é que a Palavra de Deus é fundamental no discernimento?

Festa da língua de Santo António

Porque é que a Palavra de Deus é verdadeiramente tão central na vida dos cristãos e, em particular, no discernimento vocacional?

Vamos descobri-lo hoje, na festa da “Língua” de Santo António!

Porque é que a Palavra de Deus é central para nós?

Porque é que nós cristãos somos (ou deveríamos ser!) muito ligados à Palavra de Deus, à Sagrada Escritura? Porque é que a Palavra é fundamental para a nossa vida de fé? Porque é que, sobretudo, no discernimento vocacional é irrenunciável confrontar-se com ela e colocá-la no centro da nossa oração? Tentemos dar alguma indicação sobre isto.

O que é a Palavra de Deus?

Antes de mais devemos esclarecer-nos sobre uma coisa: o que é a Palavra de Deus?! 

Atenção, porque não é dado por descontado (Não compreendi.), não é assim como parece! Nós pensamos que Sagrada Escritura, Bíblia, Palavra de Deus, sejam todos sinónimos…, mas não é assim!

Quando é que, na igreja, usamos a expressão “Palavra de Deus”? Fazemo-lo durante a celebração da missa, no final das leituras. E a que é que nos referimos? Certamente referimo-nos ao texto da Escritura imediatamente precedente, mas não apenas a esse. Ou melhor: não a esse tomado em si mesmo. (Não compreendi.) Referimo-nos, de facto, àquela Palavra enquanto foi proclamada, rezada, escutada, assumida, vivida, celebrada, por uma comunidade de pessoas de carne e osso.

Só quando a Escritura encontra o coração do povo de Deus, só quando o povo de Deus, nós, os crentes, nos pomos à escuta da Escritura, então esta se torna verdadeiramente “Palavra de Deus “. Na verdade, a “Palavra de Deus” não é um texto escrito, mas um facto, um evento, um acontecimento! Essa é de facto antes de mais relação: a relação entre Deus e o seu povo. A relação entre pessoas vivas (nós) e o Vivente (Deus).

E, de facto, esta relação entre a humanidade e Deus assume precisamente o nome de Jesus Cristo, que nem por acaso é “o verbo que se faz carne “, a Palavra que se faz carne, a Palavra que assume um corpo. A Palavra de Deus é antes mais Jesus Cristo, ele é a Palavra que Deus diz sobre o mundo, ele é a Palavra que vem, sempre!

Aliás, ainda mais: este evento, este facto, pode acontecer apenas porque em nós está presente o Espírito Santo. Que é o Espírito do Ressuscitado, de Cristo Ressuscitado. Que é o Espírito do Pai, o Espírito Criador, que faz existir e renova continuamente todas as coisas. Que é o Espírito que sopra continuamente entre o Pai e o Filho, isto é a sua mesma união de amor, em que nós somos imersos, na medida em que feitos à imagem e semelhança de Deus enquanto imersos nesta dinâmica com o Batismo.

Então é aquele mesmo Espírito que inspirou a Escritura, que torna possível o acontecer do nosso encontro com Deus nela (na Palavra). Que torna possível o facto que o próprio Cristo, em nós, escuta o Pai que fala na sua Palavra, e responde de maneira adequada, permite-nos dizer o nosso “sim” ao convite de amor do Pai.

É só através do Espírito Santo que nós podemos verdadeiramente escutar a Escritura, compreendê-la, fazê-la penetrar no nosso coração, deixar que nos converta profundamente, que mude a nossa vida, e que tudo isto faça acontecer o milagre da “Palavra de Deus”, daquela Palavra que nunca torna a Deus sem ter cumprido aquilo para que foi mandada, aquela Palavra que renova sempre todas as coisas.

Porque é que tudo isto é fundamental para a minha vida?

Se quanto dito não fosse suficiente para intuir, porque é que esta Palavra é de verdade indispensável à nossa vida de cristãos (aliás, é indispensável à vida humana toda)? Tentemos explicitar um outro aspeto.

Partimos de uma bela definição de “cristão” que encontrei, que é esta:

“O cristão é quem tem a capacidade de ver o sentido interior das coisas, a sua realidade mais verdadeira, e, portanto, de compreender e escolher aquilo que é bem”.

Se “ser cristãos” quer dizer isto, então, certamente para “ver bem dentro das coisas” precisamos de abrir os olhos, de abrir os ouvidos, de aprender a ver com os olhos certos, a escutar com os ouvidos certos. E quais são os olhos mais certos e os ouvidos mais certos, para ver e ouvir a realidade verdadeira das coisas?

Obviamente os de Deus, isto é, aqueles de quem criou todas as coisas, de quem sabe o porquê de todas as coisas!

Então o segredo do ser cristão está todo aqui: aprender a olhar com os olhos de Deus, a sentir com os sentidos de Deus!

E como se faz? Bem, é preciso frequentá-lo, estar com Ele, conhecê-lo. E para o conhecer, para estar com Deus, sabemo-lo, precisamos, de algumas mediações, porque Deus não está à nossa disposição diretamente (só no paraíso o veremos finalmente “face a face”). E estas “mediações” na vida do cristão são muitas: a oração pessoal, a oração da Igreja, a minha consciência, o padre espiritual, os sacramentos, as relações, a criação, os pobres … e a Palavra de Deus.

Entre todas estas mediações (todas indispensáveis para a nossa fé) a Palavra de Deus (isto é, repetimo-lo, o nosso encontro com Ele através da Escritura) é um meio potente porque à diferença das outras mediações está escrita, está codificada, está fixada. (Não compreendi este parágrafo.)

Isto significa que Deus se exprime nela ao máximo daquilo que é verdadeiramente: ali se encontra o rosto de Deus precisamente como Deus falaria de si. Nos outros lugares temos sempre o risco de modificar um pouco o rosto de Deus conforme o nosso agrado, fazer-lhe dizer aquilo que nos é mais cómodo. Na Palavra de Deus não é assim!

  Explico-me melhor: mesmo se à Escritura podemos fazer dizer tudo aquilo que queremos! (Não entendi a ideia.) Mas se nos colocamos, com sinceridade, diante dela e pedimos o dom do Espírito Santo, e a escutamos “na Igreja” (isto é, como comunidade crente, e não como um batedor livre), em resumo, fazemos da Escritura a “Palavra de Deus” (como dissemos antes), então é menos improvável que consigamos, pouco a pouco, descobrir quem é Deus de verdade. (Talvez seja melhor reformular esta frase.)

E o Deus que descobrimos dentro da Escritura, quando essa se torna Palavra de Deus para nós, não é idêntico àquilo que esperamos. Nunca o é! A tarefa da palavra de Deus é precisamente esta: desmontar-nos, derrubar-nos as perspetivas, mudar o olhar, radicalmente. Em termos “eclesiais” dir-se-ia “converter-nos”. 

De facto:

“Não é um buscador quem, mais ou menos escondido, se esforça por afirmar a sua mentalidade, as suas ideias, a sua razão e finge procurar, pondo em dificuldade quem não pensa como ele.

Na realidade, quem procura é aberto. E aquilo que procura é exatamente outra coisa diferente daquilo que já possui […]. Aquele que procura, procura aquilo que ainda não tem, enquanto quem defende a sua visão tenta fazer ver que a tua não vai bem. Finge procurar, mas na realidade não procura mesmo nada, simplesmente não quer mudar” (Rupnik, O caminho da vocação cristã, p. 64).

Eis porque é que a Palavra de Deus é fundamental para a nossa vida: porque nos tem em caminho, nos abre sempre novos horizontes, nos mostra que Deus está sempre um pouco mais além. Liberta-nos dos nossos bloqueios, ensina-nos o caminho certo, surpreende-nos, fascina-nos, desconcerta-nos, perturba-nos, atrai-nos, porque é sempre nova, sempre mais viva de quanto possamos sê-lo nós com as nossas forças.

O que é que tem a ver tudo isto com o discernimento vocacional?

Tudo isto é óbvio, é central, fundamental, irrenunciável no discernimento vocacional! O discernimento vocacional não é mais que aprender a colocar-se na escuta de Deus, aprender a estar com ele, aprender como ele vê as coisas, como vê a nossa vida, aprender a responder aos seus apelos como Cristo responde em nós.

Como é que pensamos poder fazer discernimento sem estar agarrados à Palavra de Deus? Impossível! Não servem muitas outras palavras neste sentido: ou se está com a Palavra de Deus, ou então não se vai a nenhum lado, literalmente.

A festa da “Língua” ou “da Transladação”

E, por fim, o que é que tem a ver tudo isto com Santo António e a festa de hoje?

Hoje, 15 fevereiro, aqui em Pádua, nós frades franciscanos da basílica de Santo António celebramos a festa da “Língua” de Santo António, ou “Festa da Transladação”. Trata-se de uma celebração que recorda algumas transladações do corpo de António, ocorridas entre 1263 e 1350 a na basílica, e em particular duas destas:

A primeira transladação, aquela de 1263, após 32 anos da morte do nosso santo (1231), por obra de são Boaventura (naquele momento geral da ordem franciscana, sucessor de são Francisco): por ocasião da inauguração da nova basílica em sua honra, domingo 7 abril 1263 (Oitava de Páscoa) o corpo de António foi transladado da sepultura original (na atual capela da Madonna Mora, sob o altar onde tinha sido posto na terra, no dia do seu funeral, terça feira 17 junho 1231), ao centro da nova basílica, exatamente sob a cúspide do Anjo; precisamente foi nesta ocasião que Boaventura, abrindo a urna de madeira, descobriu a língua do Santo ainda viva e incorrupta; a última transladação, aquela de 15 fevereiro (eis porque festejamos precisamente hoje) 1350, quando o corpo de António foi posto na arca erigida em sua honra, precisamente onde o encontramos também hoje, há mais de 670 anos de distância.

O que é que nos diz o milagre da Língua incorrupta? Diz-nos uma vez mais que Santo António é o santo da Palavra: o Senhor preservou aquela Língua que o anunciou e testemunhou, com coragem e paixão. António tornou-se grande, e ainda o é para milhões de peregrinos e devotos em todo o mundo porque soube estar em escuta daquela Palavra que lhe dava vida, e restituí-la aos outros, continuamente, incansavelmente.

O encontro da língua incorrupta representa, portanto, o selo de Deus sobre a sua obra, o reconhecimento da parte do Pai que António soube e sabe falar dele, de maneira autêntica e verdadeira, e, por isso, “imortal”, incorruptível: “os céus e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24,35).

Através de Santo António o Senhor, também hoje, nos recorda como a sua Palavra salva a nossa vida, e nos convida sempre a voltar ao coração do Evangelho. Então peçamos a Santo António que nos ajude neste caminho de sequela, de discernimento, de escuta da sua Palavra, para que essa possa sempre abrir-nos estradas novas.

CONTACTOS EM PORTUGAL

Para mais informações podes contactar:


Frei. José Carlos Matias – Viseu

Tel: 232 431 985 |  E-mail: freizecarlos@gmail.com

Frei André Scalvini – Lisboa                                             

Tel: 21 837 69 69 | E-mail: andreasfrater4@gmail.com                                                  

Frei Marius Marcel – Coimbra 

Tel: 239 71 39 38 | E-mail: mariusinho93@gmail.com

Partilhe este artigo:

Outras Notícias