A vocação é uma questão de humildade

VS “Senhor, o que queres que eu faça?”. A vocação entre presunção e humildade.

Naquele tempo, Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e disseram: «Mestre, queremos que nos faças o que te pedimos.» Disse-lhes: «Que quereis que vos faça?» Eles disseram: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda.» Jesus respondeu: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu bebo e receber o batismo com que Eu sou batizado?» Eles disseram: «Podemos, sim.» Jesus disse-lhes: «Bebereis o cálice que Eu bebo e sereis batizados com o batismo com que Eu sou batizado; mas o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não pertence a mim concedê-lo: é daqueles para quem está reservado.» Os outros dez, tendo ouvido isto, começaram a indignar-se contra Tiago e João. Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis como aqueles que são considerados governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas, e como os grandes exercem o seu poder. Não deve ser assim entre vós. Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos. Pois também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos.»

[Marcos 10,35-45]

Um pouco presunçosos estes discípulos, não? Pretendem ser eles a mandar no Mestre! E como é que responde o Mestre? Manda-os calar, irrita-se? Não, responde: “que quereis que eu vos faça?”.

Recorda-vos alguma coisa esta frase? “Senhor, que queres que eu faça?”. É a frase do servo ao patrão, é a frase que são Francisco pronuncia diante do Crucifixo na capela em ruinas de são Damião, no inicio do seu caminho.

O Senhor responde metendo-se ao serviço deles! Antes ainda da discussão, que será precisamente sobre este tema, o Senhor dá-lhes já a resposta com o exemplo: meter-se ao serviço, ser submissos a toda criatura! Por fim, o Senhor, de facto põe-se ali, à sua disposição!

Papa Francisco durante o lava-pés

Nós talvez experimentemos um pouco de incómodo pelo modo com que os discípulos se põem em relação a Jesus, vem-nos natural emotivamente repreendê-los, colocar-nos do lado do mestre, ficar indignados como os outros apóstolos, como diz o evangelho. Aliás, dizer-lhe: Senhor, mas o que é que te passa pela cabeça para estares do lado deles, reage, explica-lhes logo que não é assim que se faz com Deus!

Eis esta nossa reação testemunha de nós duas coisas: por um lado, na cabeça, sabemos que ele é o Senhor, que ele sabe qual é o nosso bem, que é ele a indicar-nos a estrada, e, portanto, nos incomoda que alguém atue ao contrário; por outro lado, porém gostaríamos de dizer nós ao Senhor como é que deve fazer, como e que deve reagir, caindo assim novamente no mesmo erro, precisamente como os discípulos.

Nós movemo-nos entre estes 2 polos: o desejo de o seguir, confiar nele e a necessidade de tomar nas mãos as redes e obter aquilo que queremos, aquilo que nós esperamos como sendo a coisa certa e melhor para nós. Esta é também uma das tentações escondidas dentro de cada vocação.

De facto, vocação é o lugar onde o meu desejo e o desejo de Deus se cruzam, onde duas vontades convergem. Mas a seu modo, não ao nosso modo.

Por vezes nós entendemos a vocação, a vida plena, bela, satisfatória, como uma marcha triunfal. Alguém sente que quer seguir o Senhor e imagina que a partir de agora será tudo um suceder-se de melhoramentos, de passos belos e esplendidos… Às vezes para nós “seguir” torna-se sinónimo de “subir”. Subir para o cume, subir para o altar diante de todos, subir em consideração, obter respeito… Trata-se das nossas manias de grandeza, naturais, que trazemos todos dentro: não é preciso envergonhar-se, nem as odiar, mas apenas conhecê-las e, digamos assim, mantê-las afastadas.

Uma vez ouvi um frade, meu confrade, que dizia “todo o jovem padre pensa no seu coração que a igreja esperou 2000 anos precisamente pela sua chegada”! Sim, finalmente chegou ele a fazer as coisas como devem ser feitas, ele tem direito àquele lugar à direita de Jesus! E o Senhor responderia: “Ai de vós que procurais as saudações nas praças e os primeiros lugares nas sinagogas!”. Estes somos nós, quer nos agrade ou não, somos assim: fariseus!

E depois, dado que temos esta ideia alta, triunfante de vocação, sempre que vemos que a nossa vida é medíocre, normal, que não é verdade que somos melhores que os outros, que não conseguimos ser sempre melhores… O que sucede? Começa a tristeza e o desconforto: não estou á altura, não sou digno, meto nojo, ninguém me quer, ninguém me aprecia…

O Senhor ao invés escolhe uma via e um estilo todo ao contrário. Se olharmos para a primeira leitura da missa, encontramos um texto tirado dos cânticos do servo sofredor, do livro de Isaías.

Jesus atribui a si mesmo aquilo que lá é narrado. Fala-se de prostração, de dor, de sacrifício: o servo, segundo Isaías, “não tem aparência, nem beleza”. O Senhor reina sujando-se os pés pelas estradas da pobre gente, o senhor reina inclinando-se sobre a areia aos pés da adúltera, inclinando-se na água aos pés dos discípulos, oferecendo-se voluntariamente ao público escárnio, até morrer na Cruz… aquele é o seu trono, só ali ele se eleva.

E, contudo, ele é, segundo o livro dos Salmos também “o mais belo entre os filhos do homem”. Segundo Isaías não é belo, segundo os Salmos é o mais belo! Como possível? É possível, aliás, é a única verdadeira possibilidade que temos, não existe nenhuma outra! A única beleza verdadeira é aquela ali, a do serviço, a de quem se abaixa, a de quem se faz pequeno para se colocar à disposição dos outros.

Este estilo do Senhor, esta sua escolha, fascina-nos. Talvez seja o motivo mais profundo e mais íntimo, mais verdadeiro através do qual o Senhor nos convence, nos atrai a si. Ninguém tem um Deus assim, ninguém tem um mestre assim, e esta coisa encanta-nos, faz-nos dizer: queria também eu!

Porém existem em nós também algumas resistências: esta perspetiva do serviço, da humildade, mete-nos medo, é normal. Sentimos uma natural repulsa em relação a este estilo.

O Senhor sabe isto, e é por isso que torna todos os dias a dar-nos o exemplo, a fazer-nos experimentar a sua escolha de se pôr ao nosso serviço. E para o fazer encontrou um modo incrível, um modo que nunca ninguém teria podido imaginar: a Eucaristia!

Todas as vezes que uma comunidade se encontra à volta do altar, e celebra a Eucaristia, ali, dentro do sinal pobre do pão e do vinho, Ele se faz presente. É ali que o Senhor se dá por nós, pequeno, indefeso, frágil, à nossa disposição.

A Eucaristia é a nossa estrada de humildade, de serviço.

Dizia don Primo Mazzolari:

Sou doente de grandeza e de primeiros lugares. Mete-me medo o silencio, mete-me medo o escondimento. E, no entanto, olho para a Hóstia. Silêncio sem limites, uniformidade sem relevo, realidade sem aparências a não ser de pão que não é mais, Deus escondido.

Adoração Eucarística na nossa basílica de Sant’ António

Então peçamos ao Senhor esta graça, de continuar a fazer pequenos passos de caminho nesta direção, da pequenez, da menoridade, do serviço, continuando a alimentar-nos dele, mesmo através da Eucaristia. E por isso queria concluir com as palavras de são Francisco:

Eis que, todos os dias ele se humilha, como quando das sedes reais desceu ao ventre da Virgem; todos os dias vem a nós em humildes aparências; todos os dias desce do seio do Pai sobre o altar para se esconder, para nossa salvação, sob pouca aparência de pão! Olhai, irmãos, a humildade de Deus, e abri diante dele os vossos corações; humilhai-vos também vós, para que sejais por ele exaltados. Nada, portanto, de vós conserveis para vós, para que todos e por inteiro vos acolha aquele que todo a vós se oferece.

Bom caminho a todos! O Senhor nos abençoe a todos, e sempre.

de fra Nico Melato

 – franico@vocazionefrancescana.org

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