Testemunhos das missões: #1 Libano – Testemunho di Claudia

Este verão muitos jovens partiram connosco, frades, para algumas experiências em missão. Aqui temos os seus testemunhos!

Durante este verão 2023 nós frades propusemos 3 diversas experiencias em missão (aqui o artigo que as apresentava), em que envolvemos muitos jovens. Com alegria agora partilhamos convosco os seus testemunhos:

#1 Libano – Testemunho di Claudia

#2 Bósnia-Herzegovina – Testemunho de Elisabetta

#3 Roma – Testemunho de Francesco e Testemunho de Chiara

fra Nico

– franico@vocazionefrancescana.org

Onde vais passar as ferias este verão? No Líbano numa missão franciscana!

Olhos arregalados que me olham e transmitem medo, incredulidade, inconsciência … depois dirigem-me perguntas do tipo:

Porque é que deves fazer à força uma coisa tão extrema?

Isto é … vais a trabalhar também nas férias?

Porque é que deves ir ajudar alguém distante com todas as pessoas que precisam aqui?

Mas não há guerra no Líbano?

Mas o que é que vais fazer exatamente?

Inevitavelmente estas perguntas minaram a segurança do “sim” pronunciado alguns meses antes, em resposta à oportunidade desta viagem. Um “sim” dito ao Senhor para descobrir que graças tivesse reservadas para mim seguindo este chamamento e experimentando a sua providência.

O Líbano é um pequeno território de confim (a sua superfície é comparável à no nosso Abruzzo), abraçado a nordeste pela Síria, a sul confinante com Israel, a oeste com vista para o Mediterrâneo.

O país vive hoje uma grande crise económica, com a queda da Lira em 2019, causada pelo altíssimo endividamento público. A situação foi depois agravada pela terrível explosão no porto de Beirute em agosto 2020, contemporaneamente à pandemia do coronavírus.

Depois da guerra árabe-israelita de 1948, no Líbano chegam mais de 100.000 refugiados palestinianos expulsos durante a proclamação do Estado de Israel, hoje representam 10% da população. Em 2011, com o irromper da guerra civil síria, centenas de milhares de refugiados procuram, no vizinho Líbano, o ponto de apoio mais próximo para a sobrevivência.

Hoje os refugiados sírios “registados” são cerca de 2 milhões, igual a 50% da população. É o País do mundo com a mais alta percentagem de refugiados relativamente à população local, é uma colmeia de campos de refugiados, distribuídos sobretudo no vale de Bekaa, situado aos pés da cadeia montanhosa que separa o Líbano da Síria.

O convento de Zahle está colocado a 1000 m s.l.m. com vista precisamente sobre este vale. A comunidade dos frades que nos acolhe é formada por três pessoas: fra Elias e fra Khalil nativos do Líbano, fra Iosif de origem romena.

Na primeira noite olhando o panorama pensei “para lá daquele monte existe a guerra” e um arrepio d emedo atravessou o meu corpo.

O dia seguinte à nossa chegada é domingo, participamos na missa na paroquia e notamos logo como os frades envolvem as crianças no serviço do altar. Interessante notar que alguns provêm do rito bizantino greco-católico, portanto, é-lhes permitido tomar a comunhão já desde o batismo. Entre eles está também Roulaf, uma menina muçulmana de 8 anos (serve à missa? Como é possível?), feliz e orgulhosa de ser um acólito. Um belíssimo testemunho de integração e evangelização.

A família de Roulaf é uma família pobre de curdos, provenientes da Síria, que vivem aos pés do convento, numa casa muito humilde. O trabalho do pai é cuidar de uma vinha. Os frades têm uma belíssima relação com eles. À noite as duas mulheres chegam com uma ceia muito boa preparada para nós à base de beringela, que acolhimento! Trazem também tantíssima uva que é espalhada depois sobre o teto do convento para secar ao sol. Tudo é partilhado, tudo é uma troca, um ótimo exemplo de como ser bons “administradores da providência”. Damo-nos conta da beleza da simplicidade da vida, não serve muito para fazer fraternidade, acolher e amar.

Esta família queria tornar-se cristã, mas tendo duas mulheres não é possível e não é imaginável hoje, para Ahmad, escolher uma das duas e abandonar a outra.

O primeiro encontro nos campos de refugiados acontece dois dias depois da nossa chegada. Pergunto a fra Iosif se devemos ser alertados de alguma coisa em particular, se nos deve instruir sobre comportamentos a evitar, palavras a não dizer … ele responde “não deveis saber nada, as crianças farão tudo sozinhas”.

Chegamos de noite, já é escuro, o campo é exatamente como se veem na televisão: logotipo azul UNHCR (Agência ONU para os Refugiados) em todas as telas exteriores. Dentro pequenas salas sem mobília, pavimento grosseiro, iluminação improvisada, nas paredes tecidos de decoração para procurar tornar mais acolhedor o ambiente.

A mãe é costureira, num canto a sua máquina de costura e nas paredes roupas penduradas, fruto do seu trabalho.

Dou-me conta de estar muito embaraçada. Sentamo-nos por terra, mas o pensamento leva-me por vezes a preocupar-me com a higiene. A família é numerosa e muito acolhedora, oferecem-nos logo um chá quente. Estou naquele campo há cerca de 10 anos e ali nasceram já 3 crianças desde então.

Fra Iosif explica-me que a cultura deles é de tipo “tribal”, casam-se entre primos, quanto mais numerosa é a família, mais importância terá. De facto, a pergunta que nos fazem com frequência, sobretudo a nós mulheres, é se somos casadas e s etemos filhos. Para eles é incompreensível que eu possa ter 46 anos e não tenha uma família. Com um nó na garganta, na medida em que é para mim um tema importante, respondo “Inshallah”; percebo com a sabedoria que tive sorte em responder assim, em primeiro porque com esta palavra de certo modo o assunto se fecha adiando tudo respeitosamente para a vontade de Deus, em segundo lugar porque sou obrigada como elas mulheres a tomar marido aos 13 anos, um marido imposto e contratado.

Saudada esta família, Abouna Iosif (abuna = Padre em árabe, as crianças chamam-no assim muitas vezes…) leva-nos a um outro campo, à família Saleh (em árabe significa “bom”). Aqui esperam-nos no exterior da tenda, num pequeno pátio enfeitado com flores e plantas.

Também aqui estou ainda muto tensa, sentamo-nos nos tapetes, trazem-nos colchões para nos ajudarem a estar mais confortáveis (praticamente as camas deles), mas continuo a preocupar-me sobre como me devo apoiar, o que tocar e o que não. A família é numerosa: avó, mãe, pai e 7 filhos, o mais pequeno é Hamudi ha 6 anos. Sulaf é a filha mais velha, 19 anos, belíssima. Já vários homens foram ter com o pai a pedi-la em casamento, mas ainda nenhum acordo chegou a bom porto, ela não quereria casar-se. esta família trabalha nos campos, recolhem fruta, crianças incluídas. O pai, com o seu automóvel, improvisou-se como taxistas e leva par ao trabalho outros refugiados.

Abouna Iosif tem uma bolsa com alguns jogos, Hamudi abre um memory e encontramo-nos todos envolvidos a jogar com eles: este momento de partilha rompe todos os medos, derretemo-nos, tocamo-nos, exultamos juntos. fico surpreendida com a inocência das crianças, não sabem o que seja a competição, exultam por qualquer um que adivinhe a carta correta.

As crianças são afetuosas, abraçam-nos, adoram tirar fotos connosco, as meninas são belíssimas e muito femininas. Admiro-me comigo mesma, normalmente não sou boa a interagir com as crianças, mas o obstáculo da língua torna-se ao invés o meio para “não dialogar” verbalmente e deixar-se andar pela comunicação corpórea que é muito simples.

Esta noite começa uma relação com eles, voltaremos a vê-los mais vezes durante a nossa missão.

Quanto é belo e intenso tocar ao vivo estas pessoas, olha-las nos olhos, mas, sobretudo, quanto é intenso experimentar a caridade em fraternidade, poder-se depois confrontar, suportar e partilhar. 

Depois de três dias, o tempo parece dilatado, lento. O instinto de preencher o dia como em Itália é ainda muito forte.

Parti pensando em oferecer a mim mesma para qualquer serviço que fosse necessário, enquadrada na atitude “venho oferecer o meu serviço”, como se tudo fosse calculável e programável à secretária.

Afinal, o meu corpo não rege e encontro-me ko com febre. Naquela tarde a família Saleh é convidada no convento para recolher a lavanda. Abouna Iosif vai busca-los e faz um carregamento além do número disponível de lugares no carro. Quando chegam encontro-me nas suas mãos, cuidada com tanto amor. A mãe pede a Sulaf para me preparar um chá a ferver com menta e melissa, enquanto a pequena Arief me faz massagens para aliviar a dor. Entretanto, Marta, uma companheira d emissão, recolhe-os à volta de uma mesa com folhas e cores e Arief prepara-me belíssimos desenhos com escrito “I love you Claudia”.

O meu coração derrete-se, pergunto-me “como é possível que eu esteja ali para ajudar e afinal esteja a receber? De refugidos?”. Esta é a graça da caridade. Como diz brincando Abouna a mais bela febre da minha vida!”.

Entre os outros serviços, os frades pedem-nos ajuda para arrumar uma sala e transformá-la numa pequena cozinha. No princípio esta atividade parece-me um pouco estéril, afinal revela-se a ocasião para cuidar do lugar onde vivemos, que e também nossa casa, para nos fazer tomar confidência com o convento e mover-nos com liberdade nos lugares.

O viver em fraternidade com frades e missionários, é uma experiência belíssima de como cuidamos um do outro, de como uma mão lave a outra.

Agora os dias passam rapidamente, demasiado rápidos. A missão prevê também conhecer a história e o território de um país que acolheu os mais antigos assentamentos humanos (7000 a.C.) em particular Byblos, a mais antiga cidade do mundo habitada com continuidade.

Imperdível também o parque arqueológico de Baalbek, um dos parques mais importantes do Próximo Oriente, declarado em 1984 Património da humanidade pela UNESCO.

A nossa aventura continua em direção da “Floresta dos cedros de Deus”, percorrendo ima estrada espetacular através da cadeia montanhosa do monte Líbano que atinge os 3000m de altitude.

De regresso precisamente desta excursão, Abouna Iosif mostra-nos onde estavam colocados os primeiros campos de refugiados em Zahle, já desmantelados. Na realidade algumas famílias ainda avivem ali e as crianças reconhecem-no, com um afeto que faz perceber como o seu serviço, iniciado em 2014, tenha deixado a marca. Abouna conta-nos de como partissem de manhã com carrinhas cheias de cisternas de água para a levar aos campos e como as energias fossem gastas depois todo o dia a entreter aquelas crianças.

A presença franciscana nos campos nunca foi uma evangelização feita de proselitismo, antes, é através do encontro que se transmitiu a mensagem cristã, respondendo à pergunta, “mas porque é que vós vindes gratuitamente para nos ajudar?”, muito interessante…

A última família nos campos que conhecemos é seguramente mais desfavorecida e pobre que as precedentes. Neste campo as tendas são separadas por uma estreita via pedonal atravessada, no meio, por um canal de drenagem das águas de descarga, um cheiro acre invade as habitações. A família é constituída por três jovens casais com filhos, dos quais um menino provavelmente autístico. Esta família vive naquela tenda há 13 anos. Explicam-nos que não existem esperanças para eles além daquele perímetro e regressar hoje à Síria significaria ser alistados imediatamente no exército. Um dos jovens pais tem um trabalho, distribui pão, mas sendo sírio a ele é concedido um só saco, enquanto aos libaneses até três. Estes jovens vivem a esperança do “sonho europeu”, dizem-nos “sabemos que vós sois muito mais humanos e acolhedores”. Tentamos explicar que não é exatamente assim e que, além disso, a rota balcânica é muito perigosa.

Preferimos não insistir, quem somos nós para lhes tirar a esperança? Como podemos conhecer o seu destino e o que queira dizer viver naquelas condições? Desta família não temos foto, não havia nem pressupostos, nem a ligeireza de espírito par ao fazer.

Se calhar quem está lendo este testemunho, esperava uma só descrição de pobreza e dor, mas graças a Deus não é aquilo que recordarei desta experiência. As pessoas que encontrámos souberam transmitir-nos amor e alegria, apesar das dificuldades que devem enfrentar todos os dias. Mentiria se contasse que foi dura, que só vi sofrimento. Foi uma grande lição de humildade, de como saber viver ao dia, de como todos em família contribuem, com base nas próprias possibilidades, para a manutenção da mesma.

Caminho fazendo os meus olhos começaram a ver tudo com uma ótica diversa relativamente aos primeiros dias. A vista sobre o vale da Bekaa do convento não mete mais medo: é um maravilhoso panorama, um território que oferece olhares, abraços, perfumes, histórias. Entrámos em contacto com a criação, da natureza às pessoas, mergulhados numa realidade, e estabelecidas relações autênticas na simplicidade.

Trago para casa tanto amor, novas relações, a boa gestão do tempo. parti para dar, mas provavelmente recebi … e quanto!!!! Experimentei um acolhimento verdadeiramente especial. O Senhor tinha reservado para mim um presente para desembrulhar todos os dias. À pergunta “o que vais fazer exatamente?” posso agora responder serenamente, confirmando quanto nos foi antecipado no percurso formativo de preparação para a missão: não fomos para “fazer”, mas para “estar” com as pessoas, nas situações; não podemos mudar nada daquilo que vimos, a única coisa que podemos mudar é nós próprios.

Aproveito de uma mensagem de são Charbel, o célebre Santo taumaturgo libanês, para encerrar este testemunho:

O reino de Deus existe, cada homem é chamado a realizar-se nele. Existe uma única via para o conseguir: Jesus Cristo.

Para realizar a viagem para o seu reino serve apenas o amor (São Charbel).

Claudia

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